Serei eu somente mais uma laranja mecânica?

Serei eu somente mais uma laranja mecânica?
"Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias pra se pensar certo, é não estarmos demasiado certos de nossas certezas."
-Paulo Freire-

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Outrora

    • Hey, não olha pra cá, sai da multidão e me encontra no bar em dez minutos...
    • Hm? Qual bar?
    • Outrora, em dez minutos
    • Mas...
“Que porra foi essa?”... Não consegui ver quem era, mas fiquei curioso, esperei alguns minutos e fui atras do bar Outrora. Perguntei para um rapaz que estava passando:
    • É só virar a esquina, andar uns três quarteirões e Outrora estará lá.
Achei engraçado o jeito que ele falou, mas agradeci e continuei andando.
Cheguei no bar com uns dez minutos de atraso, o bar estava praticamente vazio e pensei se outrora fizera mais sucesso – me acho engraçado às vezes – parecia um bar antigo, mas bastante agradável.
    • Olá, boa noite, posso ajudar?
    • Boa noite, estou procurando alguém, mas parece que não chegou ainda.
    • Creio que quem você está procurando já se foi, mas deixou um bilhete.
“Porra, vim atoa, deveria saber que não ia dar em nada...”
Peguei o bilhete escrito em um guardanapo, e nesse mesmo tempo a porta do bar se abriu e entrou um perfume que me fez parar de pensar em tudo que eu estava fazendo. Junto ao perfume, uma mulher mais fantástica que seu cheiro. Parou do meu lado, olhou para o garçom e disse:
    • Onde é o banheiro?
    • Logo depois daquele pilar madame.
    • Obrigada, prepare uma dose de whisky com gelo, por favor.
Eu ainda atordoado com aquela presença.
    • É pra já – respondeu o garçon
Aproveitei o momento.
    • Uma pra mim também senhor.
Ela olhou, me deu um sorriso e saiu. Quando voltou sentou-se ao meu lado e disse:
    • Você fuma? Tem um cigarro pra me arrumar?
    • Sim sim, na verdade estava indo fumar agora, quer me acompanhar?
    • Pode ser...
Saímos para a área de fumantes, acendi meu cigarro e me ofereci para acender o dela, depois de alguns tragos ela disse:
    • Então você costuma sair pra beber sozinho?
    • Mais ou menos, vim parar nesse bar por acaso, e quando te vi, fiquei com vontade de beber um whisky também, aliás, qual seu nome?
    • Monique
    • Bonito...
    • Obrigada e o seu?
    • René
    • De origem francesa também?
    • Sim, o nome só...
Continuamos com o papo e as doses de whisky, até que ela disse:
    • Tá meio tarde, preciso ir
    • Ok então, mas me passa seu telefone, pode ser que eu te ligue amanhã
    • Claro, mas pode ser que eu não atenda
    • Porque não?
    • Porque pode ser que eu não esteja mais afim de você, ou do seu papo, ou de whisky
Me deu um guardanapo escrito com batom e depois me deu um beijo, e antes que eu pudesse entender o tanto que aquilo foi bom, ela já tinha ido.

Cheguei em casa ainda atordoado, tentando digerir que dia foi esse que eu tive, tirei minha roupa, e sem me preocupar em arrumar nada, deitei na cama e dormi. Acordei com meu despertador dizendo que era hora de ir trabalhar.
Tomei um banho e um café, escovei os dentes e quando estava saindo, lembrei da calça jogada no chão, e que ali dentro tinha o telefone de uma das mulheres mais belas que eu já tinha visto em minha vida. Abri o bilhete e comecei a ler:

     "Maldito René,
      Mais uma vez você me deixou esperando, estou cansado, já faz tempo que você me deixa na mão e eu não aguento mais essa porra.
      A propósito, não pude ficar te esperando como sempre dessa vez, mas amanhã depois do seu expediente, me encontre no mesmo bar, vamos resolver essa merda de uma vez por todas."

“Que porra foi essa que eu acabei de ler? O desgraçado nem deixou assinado, achei que fosse uma brincadeira ou algo assim, o que eu fiz pra esse cara?”
Aquilo não saiu da minha cabeça, que doeu o dia inteiro – tem gente que vai culpar o whiky – mas chegando ao final da tarde, o medo e a curiosidade começaram a me atormentar, não sabia o que iria fazer, não sabia o que deveria fazer.
Quando deu minha hora, tomei minha decisão, mesmo com medo tomei o rumo do Outrora, que não ficava muito longe da onde estava, mesmo sem ter certeza se estava fazendo a coisa certa, eu tinha que saber o que estava acontecendo, minha curiosidade era maior.
Cheguei no bar por volta das dezenove e quarenta, não tinha ninguém além do garçom de ontem.
    • Uma cerveja, por favor.
Quando dei o primeiro gole e o garçon se afastou, notei alguém do meu lado.
    • René – era uma voz rouca e cansada, não me atrevi a olhar – Porquê fez isso comigo?
    • Isso o que? Nem sei quem é você.
    • Sabe sim, você sempre me desprezou, porque fez isso comigo? Eu que sempre te manti vivo...
    • Do que você tá falando? - Tentei olhar de rabo de olho, meu medo me assombrava -
    • Eu luto pra você ser feliz desde o dia que eu nasci, sempre lutei pra que você me preenchesse, e você só me fez esperar, me fez trabalhar pra você a troco de nada...
    • Eu não entendo, nunca contratei ninguém, quem é você??
    • Você sabe quem eu sou, e sabe que eu estou vazio. O tempo passa e logo logo eu paro de trabalhar pra você...
Eu tremia, não entendia nada, mas estava completamente apavorado. Ele disse:
    • Vou te deixar agora, mas não se esqueça de mim, e do que eu sou pra você...
Comecei a chorar, me virei e não avia ninguém do meu lado, sentia uma dor no peito e um vazio gigantesco. Comecei a correr, desesperado, esqueci de pagar a cerveja e corri pra casa.
E corri
E corri
Mais de seis kilometros sem parar, comecei a acreditar que eu estava louco, mas aquilo que eu sentia era real, aquilo não era nada, aquilo aconteceu e era real.
Cheguei em casa chorando, apanhei da chave que insistia em não entrar na fechadura, corri pro quarto e peguei o bilhete jogado na cama, mas não havia nenhuma mensagem, tinha somente um numero de telefone escrito a batom. Peguei me celular e disquei.
E chamou
E chamou
Mas a Monique não atendeu...

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