Serei eu somente mais uma laranja mecânica?

Serei eu somente mais uma laranja mecânica?
"Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias pra se pensar certo, é não estarmos demasiado certos de nossas certezas."
-Paulo Freire-

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Espasmos

Espasmos sem cores
De um corpo imóvel
Exprimindo amores
Paixões e ardores
Espremem-se os corpos
Espalham-se os copos
Espasmos incógnitos.


Espasmos vibrantes
De terremotos em mim
Não te preocupes coração
O corpo sabe a resposta
Esprema seu corpo em mim
Espasmos de exaltação


Espasmos vulgares
A língua molha os lábios
A respiração calma
Os olhos fechados
Exprimem o desejo da alma
O toque suave na pele
Os pelos eriçados
Exprimem a volúpia
Os corpos entrelaçados
Espreme o tempo e espaço
Espasmos concretizados

domingo, 28 de setembro de 2014

Dois Dias

Dois dias sem banho
Sem sono e sem sonho
Somando cigarros a um cinzeiro velho.


Cansei do sim e do não
De sair de casa, de ter pés no chão
Um dia serei árvore
No outro poluição.


Garrafas de vinho vazias
Assim como minha alma
Minha arma
Disparando projéteis de desilusão
Um dia serei ave
No outro rastejarei no chão.


Pedaços de pedaços de papel
Com rimas criadas na falta de rimas
Rasgados por falta de inspiração
Um dia serei poeta
No outro operário e talvez patrão.


Dois dias sem banho, sem sono, sem sonho
Sem cigarros, sem tesão e sentença
de morte do meu espírito já condenado
Um dia serei outro
mas antes serei eu mesmo.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Caderno

        Começava mais um dia comum: uma leve brisa que entrava pela janela deixava o quarto mais frio ainda, uma vez que o sol matinal ainda preguiçoso não ostentava forças pra combater a noite fria de inverno que havia acabado há pouco tempo. Alguns cachorros de rua já reviravam sacolas de lixo à procura de restos de comida, poucos carros quebravam o silêncio que predominava na paisagem sonora das ruas. Tinha tudo pra ser um dia a mais na minha vida: acordo cedo, tomo um banho, tomo um café, coloco meus fones de ouvido e saio caminhando para o ponto de ônibus.
        Sentei-me no banco gelado do ponto de ônibus, ainda com os fones de ouvidos, Queens Of The Stone Age melhorava meu humor nesse começo de dia. De repente sinto um cutucão nas costas, me virei para olhar quem era e senti algo estranho: não era a mulher mais linda do mundo, não nesses padrões que a gente vê na TV, nem era o rosto mais simétrico que eu já tinha visto, mas mesmo assim um espasmo de felicidade me tocou, e em um orgasmo de um microssegundo meu corpo tremeu, e soltei uma risada quase como se o toque dela tivesse me feito cócegas.
        − Com licença, você poderia me dizer se o Jardim Botânico já passou?
         Carregava um caderno nos braços.
        − Ainda não, também estou esperando ele, quer se sentar?
        − Ah, sim, achei que já estava atrasada de novo.
        Se sentou do meu lado, desliguei a música, tirei o fone.
        − O que estava ouvindo?
        − Queens Of The Stone Age, conhece?
        − Não, é bom?
        − Me diga você...
        Estiquei o fone e ela colocou no ouvido. Enquanto ela ouvia, ela escrevia algo no caderno, não consegui entender o que era, também não fiquei olhando, não queria parecer um desses caras que se apaixona a primeira vista e já sai perseguindo a pessoa.
       − Eu gostei bastante, acho que vou baixar quando chegar em casa. A propósito, eu sou Liz.
       − Thomas, mas todo mundo me chama de Tom.
       − Eu gosto de Tom, me lembra música... o ônibus vem vindo.
       Pegamos o ônibus e conversamos até ela descer, ela trabalhava a uns três pontos antes do meu. Pensei nesse encontro do acaso o dia inteiro, e me decidi que iria atrasar novamente no dia seguinte.

        Acordei alguns minutos mais tarde, tomei um banho, tomei um café, pus meu fone e caminhei pro ponto de ônibus, sentei-me no mesmo banco gelado, ouvia a mesma música. Dessa vez Liz não apareceu. E foi assim no dia seguinte, e no próximo e no próximo: acordar, banho, fones, caminhada, banco gelado, Queens e nada de Liz.

       No quarto dia estava lá antes de mim, sentada num canto, fumando um cigarro escrevendo em seu caderno.
        − Hey, lembra de mim?
        − Claro, Tom né?
        − Isso! Não te vi mais por aqui...
        − Ah, estava trabalhando em outras coisas.
        − Você é escritora?
        − Não, trabalho em um banco, porque escritora?
        − Ah, é que você está sempre com este caderno, achei que tivesse alguma coisa a ver...
        − Que caderno?
        − Esse que você estava escrevendo agora.
        Notei que ela não estava mais escrevendo mas não me recordo de ter visto ela guardar o caderno.
        − Não escrevo em caderno nenhum, você deve estar me confundindo com outra garota que você conhece.
        − Não conheço muitas pessoas, só algumas do trabalho, sou meio sozinho. Não tenho muito tempo pra conhecer as pessoas, acordo cedo, tomo banho, tomo café, ponho os fones, caminho pro ponto de ônibus, trabalho, chego em casa, janto, rezo e durmo...
        Não sei porque eu falei assim, não queria falar assim, era como se outra pessoa tivesse escrito e eu lido.
        − Me parece meio chato, por isso eu não gosto de rotina, cumpro minhas obrigações mas tento sempre fazer o que eu quero, quando eu quero. Aí vem o ônibus....      
        Conversamos mais um pouco e eu me sentia cada vez mais curioso com o fato dela ter negado a existência de um caderno, estava ali! Eu via aquele caderno, porém, não toquei no assunto mais, fiquei com medo de ofender, pensei que fosse algo íntimo que ela não queria que eu soubesse que existia. Pensei nisso o dia inteiro.

        Cheguei em casa do trabalho, e como de rotina, jantei, vesti minhas roupas de dormir, que eu nem sei porque eu tinha, nem gostava delas, acho que foi presente de alguém e eu acostumei usar. Deitei-me em minha cama, e durante a oração que eu repetia todo dia antes de dormir, comecei a pensar naquele caderno e no sorriso de Liz. Adormeci antes de terminar minha rotina, nunca achei que isso fosse possível

        Sonhei que eu acordava, tomava banho, café, punha os fones de ouvidos, sentava no banco gelado, lá estava Liz e seu caderno, eu ouvia Queens Of The Stone Age. O cobrador do ônibus me pedia o dinheiro e anotava algo em seu caderno, quando desci do ônibus vi cachorros revirando sacolas de lixo cheias de cadernos. Chego ao trabalho e meu chefe me chama na sua sala:

        − Onde está o seu caderno?

        − Eu não tenho um caderno.
        − Onde está o seu caderno?
        − Que caderno é esse?
        − ONDE ESTÁ A PORRA DO SEU CADERNO???
        − Eu não tenho um caderno.
       De repente não era mais meu chefe, mas ele havia se transformado em Liz, com toda sua presença deliciosa.
       − Onde está o seu caderno?
       − Até você? que diabos é esse caderno?? eu não tenho a merda de um caderno!
       − Todos tem um caderno! Onde está o seu?
       − Já disse, eu não sei que caderno é esse!! Não tenho tempo pra ficar escrevendo qualquer merda num caderno! Tenho que acordar cedo, tomar banho, tomar café, pôr os fones, caminhar pro ponto de ônibus, trabalhar, chegar em casa, jantar, rezar e dormir...
        Mas que porra, falei isso de novo...
       − Me parece meio chato, por isso eu gosto de escrever a minha própria história.
        Acordei suado com o despertador tocando, já era cedo, o sol matinal ainda não ostentava forças pra combater o frio que fazia no quarto, mas mesmo assim eu estava nu e deitado no chão. Me levante e fui até o banheiro, olhei no espelho e naquele dia decidi não tomar banho, não fazer café, não por meus fones de ouvidos, e nem caminhar pro ponto de ônibus, não sentar naquele banco gelado, e tirar o dia pra escrever uma página diferente na minha história.
        Enquanto eu pensava nisso, vi meu reflexo escrevendo alguma coisa em seu caderno e dar um sorriso pra mim do outro lado do espelho...




sexta-feira, 16 de maio de 2014

Mais um aniversário


"Help! I need somebody! Help1"

Porra, já são 7:00...

"When I was younger so much younger than today..." Click

...

...

...

...

"Help! I need somebody! Help!"

Caralho, mais cinco minutos e eu juro que levanto...

...

...

...

...

"Help! I need somebody! Help!"

7:20 e eu aqui na cama. Me sentei e continuei a ouvir o despertador do celular...

"Help me if you can I'm feelling dooown"

Feelling down... pfff... Queria ver se o John e o Paul já tiveram que acordar sem ter vontade de sair da cama no seu próprio aniverssário...

Olho o celular: sem mensagens.

"Won't you please, please help me?" Click

Deito de novo, olho para o teto e analiso as possibilidades: ir trabalhar e ganhar dinheiro ou ficar doente por hoje e comemorar minha solidão com uma garrafa de vinho? Ou duas...

Água no fogo e quase 8:00 no relógio. Porra, não devia ter ficado pensando, agora vou chegar atrasado no serviço, pensar te atrasa, te faz querer pensar mais, mudar de assunto, conversar com você mesmo e quando menos espera, já são 8:10 e a água tá borbulhando e molhando todo o seu fogão. Merda, pensar te atrasa...

Saio de casa quase 9:00, mesmo horário que eu deveria bater o cartão. Tenho que agradecer por isso, trabalho registrado na é pra todo mundo hoje em dia, e 80 reais diários até que dá pra eu me virar.

    • O Jardim Futuro já passou?
    • Já sim, acabou de sair daqui.

Vou ter que chamar um taxi, que droga.

Engraçado eu trabalhar em um bairro com esse nome, é quase como se a única forma de eu estar no futuro é indo ao trabalho, às vezes me divirto pensando nisso, penso que todo dia vou para o futuro em um emprego sem futuro, o que acaba me remetendo ao presente onde o ônibus do futuro já passou e eu estou indo pro meu emprego sem futuro de taxi, o que me deixa 25 reais mais pobre, que necessidade de ir para o futuro. E que viagem...

Pegamos trânsito e cheguei quase meia hora atrasado, o dobro do tempo que eu gastaria de bicicleta, tá aí! Porque eu não compro uma bicicleta?

    • MEIA HORA DE ATRASO! VOCÊ TÁ DE BRINCADEIRA!
    • Bom dia Sr. Renato, perdi o ônibus e o taxista caiu no trafego.

Não entendo o uso de “Sr.” para pessoas com menos de cinquenta anos de idade, dizem que é por respeito, hierarquia, mas me incomoda ter que respeitar alguém que não respeita ninguém, é mais pra não perder o emprego mesmo.

    • QUE SE FODA SUAS DESCULPAS! NÃO TE PAGO PRA FICAR OUVINDO DESCULPA! TE PAGO PRA CHEGAR NO HORÁRIO!
    • Não vai acontecer mais, eu prometo.
    • ACHO BOM, PORQUE SE ACONTECER DE NOVO EU TE CHUTO, SEU LIXO!

E eu achando que eu estava de mau humor.

    • E aí cara! Parabéns! Como tá se sentindo mais velho???
    • Não muda merda nenhuma, e você como tá?

Luigi é meu amigo de infância, ele que me arranjou esse emprego, é pra ele que eu devo agradecer maus 80 reais por dia.

    • Tô de ressaca, bebi de mais ontem
    • Em plena segunda-feira?
    • Claro! Não tem dia da semana pra encher a cara!
    • Não sei como você aguenta, eu mesmo quase não levantei hoje.
    • Porra, é só levantar. E hoje, vai fazer o que?
    • Tava pensando em ficar em casa e tomar umas duas garrafas de vinho. (Ou três)
    • Vai ter uma festa na casa de uns amigos meus, despedida de uma menina que vai pra outro país, acho que Austrália.
    • Vou pensar.
    • Pensar o caralho, pensar te atrasa, vai acabar nem indo.

Pensar me atrasa e me ocupar faz a vida passar mais rápida, é por isso que a gente se esquece das coisas, até mesmo o que almoçou, isso quer dizer que a vida tá pasado diante dos seus olhos, quase igual no segundo antes de morrer, será que eu tô morrendo?

    • Então fechou! Passo na sua casa umas 20:30, ok?
    • Ainda não sei se vou, me liga antes. Pode me deixar aqui que eu preciso passar no mercado, valeu a carona!
    • Até mais tarde então! E nada de miar o rolê.

Trabalhar pra comprar coisas, comprar coisas pra viver e não se sentir vivo. Acho melhor comprar quatro garrafas de vinho.



"Help! I need somebody! Help!”

    • Alô? Fala Luigi!
    • Daqui 20 minutos eu tô passando aí!

Já eram 20:20 e eu nem abri uma garrafa de vinho ainda, acho que vou nessa festa.

    • Tá bom, vou tomar um banho e me arrumar.

Chegamos na festa e eu precisava de uma cerveja, ou várias.

    • Hey! Aposto que você não lembra de mim!
    • Não mesmo, desculpa.
    • Bruna, amiga da Maria Clara!

Eu gosto de Brunas, me lembra brunette, ela é bonita.

    • Maria Clara?
    • Que vai pra Austrália.
    • Ah! Não conheço, to meio que de bicão.
    • Te confundi então...

Demos risadas. Que sorriso gostoso.

    • Tem certeza que você não tava na festa sábado?
    • Sim, sábado eu fiquei em casa.
    • Podia jurar que era você.
    • Mas não era, senão a gente já se conheceria.
    • É...

E mais uma vez o sorriso maravilhoso, que merda de sorriso.

    • Vou pegar uma cerveja.
    • Ok, a gente se esbarra.

Não parava de chegar gente, quantas pessoas essa garota conhece? Ou deve ter muita gente de bicão igual eu, que nem liga pra essa mina.

Comecei a ficar bêbado era 23:30 quando me peguei olhando pra Bruna enquanto ela dançava. Não sei por quanto tempo fiquei ali parado.

    • Dança comigo, estranho?
    • Claro!

O que o álcool não faz...

Dançamos juntos a noite toda, achei que tava rolando algo, queria que tivesse.

    • Vamos pra outro lugar?
    • Pode ser minha casa?
    • Pode.

Ainda bem que comprei vinho, abrimos uma garrafa.

Bebemos e começamos a dançar, com o alcool na mente, quem precisa de música? Nossos corpos se entrelaçavam como se a música tivesse alí, em uma harmonia perfeita. Beijei e mordi de leve seu pescoço e ela gemeu, ela me desejava. Beijei os lábios enquanto ela me apertava e me arranhava as costas. Fomos para o quarto, joguei ela na cama enquanto ela tirava a minha blusa, completamente sem fôlego. Lambi seu seio, mais uma vez ela gemeu, ofegante começamos a transar. Apertava suas coxas e ela me trazia pra mais perto dela, mais dentro dela. O sexo perfeito e intenso acontecia, suor e prazer percorriam meu corpo. Gemidos e gritos ecoavam no quarto. No ápice da luxúria veio o orgasmo, um gemido prolongado e sútil veio com o auge do prazer. Não percebi o tempo que passou, estava extasiado, não acreditava no final perfeito daquele dia de merda.



Help! I need somebody! Help!”

Abro o olho e vejo cinco garrafas de vinho vazias esparramadas pelo chão do meu quarto.

Not just anybody! Help!”

11:30 da manhã, porra...

Help!” Click.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Te ajeita

Bonito e charmoso
Assim era João
Porém negro e sem vintém
Trabalhou de pedreiro e peão
Morreu como um João Ninguém...

E o que dizer do sorriso de Tereza?
Morena inteligente de cabelo enrolado
Que por ser maltrado, ela foi também
Empregada, diarista e honesta
Assediada todo dia pelo patrão
Que em meio a tantos problemas
Demitiu a coitada por dizer não...

Mas tem trabalho e tem receita
Tem chefe branco contratando
Alisa o cabelo e te ajeita
E só faltará a pele branca
Pra ser uma moça perfeita.